Blog do Dr. Lucas
Os 4 tipos de diabetes mellitus

O termo “diabetes mellitus” é utilizado para descrever não uma única doença, mas um conjunto de doenças que compartilham uma característica comum: a hiperglicemia – ou seja, a glicose (açúcar) alta no sangue. Isso significa que existem tipos de diabetes distintos, que se diferenciam em suas causas, formas de tratamento e riscos de complicações.
Após confirmar o diagnóstico de diabetes mellitus, é papel do médico endocrinologista estabelecer a causa e, com isso, classificar a doença em um de seus tipos.
Para o paciente, é extremamente importante saber, entre os tipos de diabetes, qual é o seu, pois essa informação será relevante em todos os cenários de cuidados de saúde que forem necessários ao longo de sua vida. Por exemplo, em consultas de pronto socorro, em avaliações pré-operatórias ou em acompanhamentos com especialistas de outras áreas, o profissional da saúde deve ser informado do diagnóstico do diabetes e seu tipo para raciocinar e conciliar tratamentos adequados ao caso.
Assim, vamos entender como é feita a divisão dos tipos de diabetes mellitus. Para isso, precisamos primeiro ter um entendimento básico do controle da glicose no nosso organismo.
Como nosso corpo controla a glicose?
A glicose é a principal fonte de energia do nosso organismo – todas as nossas células a utilizam para exercer suas funções normais. Por exemplo, a contração dos músculos, as sinalizações elétricas do cérebro e coração, a filtração pelos rins, o funcionamento do intestino, dos pulmões e do fígado – todos esses mecanismos dependem da energia proveniente da glicose.
Quando estamos em jejum, nosso fígado é capaz de produzir glicose a partir de proteínas (vindas dos músculos) e gorduras e, assim, manter nossas funções vitais ativas.
Por outro lado, ao nos alimentarmos, todo carboidrato que comemos (ex: arroz, pão e outras massas, frutas, doces) é digerido pelo estômago e intestino, sendo convertido em glicose, a qual é absorvida para a circulação sanguínea. Um dos primeiros órgãos a receber esse açúcar é o pâncreas, onde a glicose vai ser interpretada como um sinal, um comando, para a produção e liberação de insulina no sangue.
A insulina, por sua vez, é um hormônio que tem duas funções principais:
- Transferir a glicose do sangue para dentro das nossas células, principalmente para o fígado, músculos e gordura.
- Comandar o fígado para parar de produzir glicose adicional.
Esses efeitos da insulina permitem que os níveis de glicose no sangue não se tornem excessivos.
Conforme a glicemia (glicose no sangue) vai reduzindo, os níveis de insulina também caem, e o estado de jejum se restabelece até a próxima refeição.
Todos os tipos de diabetes ocorrem quando há uma ou mais alterações no mecanismo normal de controle da glicose.
Como o diabetes mellitus é classificado?
A classificação tradicional dos tipos de diabetes mellitus separa essa doença em quatro grandes grupos, que se diferem por terem causas, tratamento e evolução distintos:
- Diabetes mellitus tipo 1
- Diabetes mellitus tipo 2
- Diabetes mellitus gestacional
- Outros tipos de diabetes
Os tipos de diabetes mais comuns são o 1 e 2 e, ao final do texto, vou explicar como fazemos a diferenciação entre eles.
Diabetes mellitus tipo 2 (DM2)
Pode parecer estranho começar a discussão a partir do tipo 2 ao invés do tipo 1, mas o motivo é simples: dentre os tipos de diabetes, essa é a forma mais comum, representando 90-95% dos casos – ou seja, de cada dez pessoas portadoras de diabetes, nove têm o tipo 2!
A base para o desenvolvimento do DM2 é a chamada resistência insulínica, que está intimamente relacionada com o acúmulo de gordura corporal (sobrepeso e obesidade).
Para explicar a resistência insulínica, eu costumo fazer a analogia de que nossas células são como gavetas, e o papel da insulina é encher essas gavetas com glicose. No entanto, quando temos excesso de gordura corporal, essa mesma gordura preenche as gavetas, não sobrando espaço para que a insulina guarde a glicose. Isso faz com que a glicemia fique alta, e a resposta do organismo é produzir mais insulina para tentar controlá-la.
Inicialmente, essa resposta pode ser suficiente para a glicose se manter normal, mas os níveis excessivos de insulina na circulação já podem começar a mostrar sinais, sendo um dos mais frequentes a acantose nigricans – áreas de escurecimento da pele, geralmente em regiões de dobras como pescoço e axilas (vide imagens abaixo).

Fonte: DermNetNz.

Fonte: DermNetNz.

Fonte: DermNetNz.
Com o passar do tempo, os mecanismos de compensação falham e a glicemia se torna persistentemente alta, surgindo o diabetes mellitus tipo 2. A glicose elevada, por sua vez, é tóxica para o pâncreas – é o que chamamos de glicotoxicidade, que leva à perda progressiva da capacidade de produção de insulina e, com isso, a necessidade de uso de insulina exógena.
Assim, podemos concluir duas características fundamentais do DM2:
- Se origina a partir de uma combinação variável de resistência insulínica e redução da produção de insulina.
- Está intimamente relacionado com a obesidade e seus fatores de risco, como sedentarismo, alimentação inadequada e história familiar de excesso de peso.
Outro dado importante sobre o DM2 é que essa doença geralmente se inicia após os 35-40 anos de idade. No entanto, devido ao crescimento alarmante das taxas de obesidade no Brasil e no mundo, temos visto cada vez mais frequentemente pessoas mais jovens (incluindo adolescentes) desenvolvendo diabetes mellitus tipo 2.
Diabetes mellitus tipo 1 (DM1)
O DM1 é a segunda forma mais comum dentre os tipos de diabetes, representando 5-10% dos casos.
Aqui, o mecanismo é completamente diferente: o DM1 ocorre devido à destruição das células produtoras de insulina do pâncreas, e o indivíduo se torna totalmente dependente do uso de insulina exógena. Essa destruição acontece, na maioria dos casos, por uma agressão autoimune – ou seja, a própria imunidade da pessoa ataca suas células pancreáticas. As causas exatas para que esse ataque autoimune se inicie ainda não são bem estabelecidas, e infelizmente ainda não dispomos de ferramentas efetivas para evitá-lo.
O DM1 se inicia mais frequentemente na infância e adolescência. No entanto, existe uma forma de diabetes autoimune chamada de LADA, termo inglês que significa diabetes autoimune latente do adulto, que tem a mesma causa do DM1 mas, como o próprio nome sugere, tem início na vida adulta e costuma ter uma evolução mais lenta, podendo demorar meses a anos para que seu portador se torne totalmente dependente de insulina.
O DM1 e o LADA podem ser investigados a partir da dosagem de anticorpos específicos que indicam autoimunidade contra o pâncreas.
Diabetes mellitus gestacional (DMG)
Esta forma de diabetes ocorre em cerca de 2% das gestantes, e ocorre por alterações hormonais associadas à placenta.
A placenta é a estrutura responsável por transmitir sangue e nutrientes da mãe para o feto durante a gestação. Esse órgão tem a capacidade de produzir alguns hormônios cuja função é manter a integridade e viabilidade da gravidez. Esses hormônios, por sua vez, têm ação contra-insulínica – ou seja, têm efeitos contrários aos da insulina, provocando elevação da glicemia com objetivo de garantir boa nutrição ao feto.
Na imensa maioria dos casos, o pâncreas materno é capaz de aumentar a produção de insulina e controlar a glicose no corpo da mãe. No entanto, em algumas mulheres, por fatores diversos – como idade maior que 35 anos, obesidade, história prévia ou familiar de diabetes -, o mecanismo de controle pancreático não é suficiente e a glicose aumenta no sangue materno.
Essa glicemia elevada é transmitida ao feto, cujo pâncreas começa a produzir maior quantidade de insulina para controlar a glicose. A insulina, por sua vez, é um hormônio anabólico que leva ao crescimento excessivo do feto – é o que chamamos de macrossomia fetal, o qual aumenta o risco de problemas durante o parto e também predispõe a criança à obesidade e diabetes. Além disso, a elevação da insulina no corpo do feto pode causar hipoglicemias neonatais – nos primeiros dias de vida, o recém nascido pode apresentar episódios recorrentes de hipoglicemia (glicose baixa no sangue), que trazem consigo alto risco de morbidade e mortalidade para a criança.
Outros tipos de diabetes
Neste grupo, estão os tipos de diabetes menos frequentes, que têm causas distintas das apresentadas anteriormente. É papel do médico endocrinologista questionar a história do paciente e investigar a possibilidade de que o diabetes seja causado por alguma dessas formas específicas.
Diabetes monogênico
Genes são pedaços do nosso DNA responsáveis por codificar a produção de proteínas específicas com funções variadas. Ou seja, um gene é um código que vai ser traduzido em uma proteína.
Nos tipos de diabetes discutidos até agora (DM1, DM2 e DMG), a influência genética sempre se dá por um conjunto de genes herdados dos pais e que determinam em maior ou menor grau o risco de desenvolvimento da doença. Chamamos esse cenário de influência poligênica.
Por outro lado, há algumas formas raras de diabetes causadas por alteração em um único gene específico, geralmente relacionado à produção de proteínas que estão envolvidas na produção e ação da insulina. É o que chamamos de diabetes monogênico, responsável por aproximadamente 2% dos casos de diabetes mellitus.
A medicina já conhece dezenas de genes cuja alteração pode provocar diabetes monogênico, e cada um desses genes, quando alterado, provoca formas diferentes de diabetes, com manifestações próprias. Apesar disso, todas essas formas têm três características em comum:
- Início precoce (antes dos 25 anos de idade).
- Ausência de anticorpos de diabetes autoimune.
- 3 ou mais gerações acometidas pela doença.
Assim, quando um paciente tem diagnóstico de diabetes mellitus e apresenta as características acima, o médico endocrinologista deve discutir com o paciente sobre a possibilidade de realizar a investigação com painel genético. Infelizmente, são métodos diagnósticos caros e pouco disponíveis no nosso país.
Doenças do pâncreas
Como já mencionamos, o pâncreas é nosso órgão produtor de insulina. No entanto, apenas 2% dele realiza essa função – é o que chamamos de pâncreas endócrino. Os outros 98% – chamados de pâncreas exócrino – têm a capacidade de produzir enzimas para a digestão de alimentos no intestino.
Doenças que danifiquem o pâncreas (como fibrose cística, hemocromatose, pancreatite crônica) ou cirurgias de remoção parcial ou total do pâncreas podem provocar diabetes mellitus. Nesses casos, a maioria dos pacientes vai necessitar de insulina para controle da glicemia.
Outras doenças hormonais
Alguns hormônios, quando em excesso no nosso organismo, podem causar elevação da glicemia e aumentar o risco de desenvolvimento de diabetes mellitus. Os principais são:
- Cortisol, na síndrome de Cushing.
- Hormônios tireoidianos, no hipertireoidismo.
- Hormônio do crescimento (GH), na acromegalia.
- Adrenalina e noradrenalina, no feocromocitoma.
Felizmente, essas doenças são raras e, portanto, não são causadoras frequentes de diabetes.
Diabetes induzidos por medicações/drogas
Algumas medicações podem provocar elevação da glicemia e aumentar o risco de diabetes mellitus. As principais são:
- Glicocorticóides: utilizados frequentemente como anti-inflamatórios.
- Hormônios tireoidianos: utilizados no hipotireoidismo.
- Diuréticos tiazídicos: utilizados para tratamento da hipertensão arterial.
- Estatinas: utilizadas para controle do colesterol. É importante destacar que a redução de risco cardiovascular com as estatinas é muito superior ao risco de desenvolver diabetes e, por esse motivo, essas medicações devem ser mantidas no paciente que têm alto risco cardiovascular, mesmo que também seja portador de diabetes mellitus.
- Antipsicóticos: utilizados em doenças neuropsiquátricas como depressão, esquizofrenia e demência.
- Medicações para tratamento do HIV
Diabetes induzido por infecções virais
Algumas infecções virais podem provocar lesão direta do pâncreas ou estimular a autoimunidade pancreática, causando diabetes mellitus. A mais recente delas é a COVID-19, que pode provocar diabetes em quem não tinha a doença ou piorar o controle em quem já tinha.
Como diferenciar o diabetes tipo 1 e tipo 2?
Agora que já discutimos todos os principais tipos de diabetes mellitus, é importante entendermos como o médico endocrinologista diferencia entre as formas mais comuns: os tipos 1 e 2.
Até algumas décadas atrás, a distinção era relativamente simples: o DM1 acontecia predominantemente em crianças e jovens magros, enquanto o DM2 acontecia em pessoas acima de 40 anos de idade portadoras de obesidade.
No entanto, com o crescimento significativo da epidemia de obesidade, essa linha de diferenciação ficou mais tênue, visto que hoje temos pessoas portadoras de obesidade desenvolvendo diabetes mellitus ainda jovens, dificultando a análise da causa do problema. Assim, a idade e o peso já não podem ser utilizados isoladamente como fatores de diferenciação.
Outro fator que não pode ser utilizado isoladamente para distinguir os dois tipos é o uso de insulina, visto que, conforme já explicado, o DM2 cursa com glicotoxicidade e, ao longo do tempo, perda de função pancreática, evoluindo para necessidade de insulina.
Assim, a principal forma de diferenciar o DM1 do DM2 é solicitar a dosagem de um painel de anticorpos (pelo menos 2, mas idealmente 4 a 5) para todos os pacientes que têm características atípicas para o DM2 – por exemplo:
- Crianças e adultos jovens (abaixo dos 30 anos de idade).
- Adultos com peso normal (sem sobrepeso ou obesidade).
- Adultos que apresentam, ao diagnóstico, sintomas mais frequentes do DM1, como perda de peso não intencional e cetoacidose diabética.
- Resposta pobre ao tratamento inicial com medicações orais, como metformina.
- História pessoal ou familiar de doença autoimune.
A positividade dos anticorpos é indicativa de autoimunidade e, portanto, de diabetes mellitus tipo 1. No entanto, nem todos os pacientes com DM1 terão anticorpos positivos e, nesses casos, o diagnóstico diferencial se torna muito desafiador – muitas vezes, apenas a evolução ao longo dos meses e anos consegue nos sugerir a provável causa.
Conclusão
O diagnóstico correto dos tipos de diabetes mellitus é fundamental tanto para o médico, que utilizará esse dado para definir a estratégia correta de tratamento, quanto para o paciente, que sempre precisa informar os profissionais da saúde que o atendem sobre seu diagnóstico para que condutas adequadas sejam tomadas.
Dessa forma, se você ou algum conhecido seu é portador de diabetes mellitus, faça questão de perguntar ao seu médico endocrinologista qual é o tipo.

Dr. Lucas Kloeckner de Andrade
Endocrinologista e Metabologista
CRM 33518 | RQE 29661